O SUICIDA
Affonso Romano de Sant'Anna
O suicídio
não é algo pessoal.
Todo suicida
nos leva
ao nosso funeral.
O suicida
não é só cruel consigo.
É cruel, como cruel
só sabe ser
-o melhor amigo.
O suicida
é aquele que pensa
matar seu corpo a sós.
Mas o seu eu se enforca
num cordão de muitos nós.
O suicida
não se mata em nossas costas.
Mata-se em nossa frente,
usando seu próprio corpo
dentro de nossa mente.
O suicida
não é o operário.
É o próprio industrial, em greve.
É o patrão
que vai aonde
o operário não se atreve.
Todo homem é mortal.
Mas alguns, mais que outros,
fazem da morte
-um ritual.
O suicida, por exemplo,
e um vivo acidental.
É o general
que se equivocou de inimigo
e cravou sua espada
na raiz do próprio umbigo.
Mais que o espectador
que saiu do entreatro
o suicida
é o ator
que questionou o teatro.
O suicida
é um retratista
que às clara se revela.
Ao expor seu negativo,
queima o retrato
-e se vela.
O suicida, enfim,
é um poeta perverso
e original
que interrompeu seu poema
antes do ponto final.
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